Quem tem medo de clássico?
Uma das maiores dificuldades que alguém pode passar na vida é ser preso. Agora, imagine estar encarcerado na Sibéria, um mundo abaixo de zero. Fazendo trabalhos forçados, ainda por cima. Essa é a trama de “Recordações da Casa dos Mortos”, do grande Dostoiévski.
Confira aqui a resenha de Thiago Terenzi sobre um grande clássico do autor russo e reflita sobre a nossa dificuldade com os livros mais antigos. É possível superar a barreira da linguagem distante? Leia a resenha e dê a sua opinião!
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“Recordações da Casa dos Mortos”, de Fiódor Dostoiévski
Tempo: para ler de pouco a pouco em intervalos durante a semana | |
Finalidade: para pensar | |
Restrição: para quem tem dificuldade com pontos de vista alternativos | |
Princípios ativos: Filosofia, Literatura russa, Dostoiéviski, Revolução Russa, prisão. |
O autor deste livro foi preso e condenado à morte em plena Rússia do século 19. Seria ele fuzilado por um pelotão de soldados fortemente armados, como era comum na época. Mas, instantes antes da execução, já de olhos vendados, recebeu a notícia de que sua pena havia sido substituída por quatro anos numa prisão de trabalhos forçados na Sibéria. Imagine: passar quatro anos em um lugar onde as noites chegam a durar mais de 24 horas e o frio é insuportável. Daria um bom livro, não?
Pois este autor escreveu “Recordações da casa dos mortos”, um romance baseado em suas experiências enquanto viveu na sombria e gélida prisão de trabalhos forçados da Sibéria. Um enredo como este conseguiria facilmente atrair a curiosidade de qualquer leitor ávido por uma boa estória, certo? Mas este autor é Dostoiéviski e o livro é um dos maiores clássicos da história da literatura mundial. Alguém aqui tem medo de clássico?
Há quem sue frio quando ouve falar em Dostoiéviski, Machado de Assis, Cervantes, Tomas Mann, Kafka, Álvares de Azevedo, entre outros. Quando o professor exige a leitura de algum destes, um medo terrível adentra o corpo do aluno: é o Medo do Clássico.
Mas acalme-se! Nada está perdido – o clássico pode sim se tornar uma leitura interessantíssima. Há beleza – e muita! – nas palavras mofadas de um livro cânone. E digo com conhecimento de causa: já fui um desses que preferia jogar bola ou videogame ou entrar no MSN ou ir no cinema ou dormir ou assistir tevê… tudo, menos ler um Temível Clássico. Fui fisgado para esta que chamam de Literatura Erudita ao ler o livro que agora recomendo: “Recordações da casa dos mortos”, de Fiódor Dostoiéviski.
São sempre as mesmas as queixas quanto aos clássicos: a linguagem é dificílima; o livro não prende a atenção do leitor; são páginas e páginas de descrições chatíssimas, onde está a ação?…
Vamos com calma. Ao ler um livro antigo, quase sempre escrito há séculos, devemos nos comportar como o leitor daquela época – ou, ao menos, tentar entendê-lo. Imagine como viviam as famílias nos séculos 18 ou 19. Não existia televisão, poucos tinham rádio e, se você nascia em uma cidade, dificilmente iria conhecer algum outro lugar – se nascesse no interior, possivelmente jamais conheceria o mar. Imagine como aquele leitor se maravilhava com descrições detalhadíssimas de um mundo que ele jamais iria conhecer. Era uma experiência única. As descrições que ocupavam páginas e páginas, naquela época, não eram de forma alguma chatas.
É preciso entender, também, que a maneira de falar muda com o passar dos anos. A forma estranha com que Machado de Assis se utilizava do português, lançando mão de palavras difíceis e construções estranhas, nada mais era do que a língua comumente utilizada naquela época. Ele não soava estranho no século 19.
Quando entendemos o porquê das dificuldades de se ler um clássico, a leitura fica mais fácil. Conseguimos entender melhor o que o livro quer nos passar. E conseguimos, então, nos adaptar a uma leitura que exige, talvez, um pouco mais de concentração.
E talvez nem seja um pecado tão grande pular algumas descrições ou procurar por uma tradução mais atual do livro, a fim de encontrar um vocabulário mais usual. Atire a primeira pedra quem nunca pulou uma página ou outra de um clássico qualquer. O importante é conseguirmos desfrutar da magia dos clássicos assim como os leitores da época em que ele foi escrito também desfrutavam.
E, em “Recordações da casas dos mortos”, quando perdemos o Medo do Clássico, ganhamos uma leitura interessantíssima. É impossível não rir das sacadas ácidas de Dostoiéviski ou nos colocar no lugar daquele pobre – ou talvez não tão pobre assim… – preso tentando sobreviver num lugar em que o Sol parece se esquecer de iluminar.
Não que os livros da nossa época sejam ruins, mas é sempre importante expandir os horizontes literários. Imagine como será um pouco mais triste a vida dos nossos netos se não lerem Harry Potter por achá-lo uma leitura difícil e antiga? Eles perderiam, no mínimo, uma excelente estória de magia que vai muito além da própria magia.
Afinal, um dia, Harry Potter também será clássico.
Resenhado por Thiago Terenzi
144 páginas, Nova Alexandria, publicado em 2006.
Título original: Zapiski iz Mertavo Doma, publicado em 1861.
Estou me descobrindo um leitor interessadíssimo e aprendendo a gostar de clássicos. Achei muito interessante a análise dos motivos pelos quais os clássicos se tornam entediantes, Thiago. Tomara que HP perdure por gerações futuras para outras pessoas desfrutarem desse mundo tão encantador mas em outras épocas.
Adoooro esse livro. :D
Eu definitivamente tenho esse tal “Medo de Clássico” hahaha
Não sou muito de leitura. Amo Harry Potter, leio e releio e não me canso, mas quando se trata de leituras ‘clássicas’ como por exemplo Machado de Assis eu simplismente não me interesso =/
Acho que em relação a leitura, por enquanto, Harry Potter é o único.
Adorei a resenha, está de parabéns !
Quem sabe no futuro eu comece a ler mais livros assim.
Considero Dostoiévski o melhor romancista que existe. Se tivesse publicado a vida toda só “Crime e Castigo”, já merecia lugar entre os maiores escritores de todos os tempos, mas como se não bastasse, ainda escreveu “O Idiota” (a história de um homem sem maldade em um mundo mau), “Os Demônios” (romance político baseado em fatos reais, sobre um grupo terrorista gerando o caos em uma cidade no interior da Rússia por meio de escândalos, tumultos e assassinatos) e “Os Irmãos Karamázov” (a história da atribulada família Karamázov – um rico patriarca e seus três filhos, Dmitri, um militar orgulhoso e violento, Ivan, um intelectual ateu, e Aleksiei, religioso e idealista) , literalmente um melhor do que o outro. Fora as obras-primas menores, como “Memórias do Subsolo” e este “Recordações da Casa dos Mortos”.
Até os livros de menos maturidade dele já são acima da média da literatura. Bastou publicar o primeiro livro, “Gente Pobre”, aos 25 anos, para ele ser comparado a Nikolai Gogol, o maior autor russo da época.
E mesmo sendo cássico, ainda é hoje tão atual quanto na época dele. Talvez até mais atual ainda, as agústias do personagem de “Memórias do Subsolo” são a cara desse século 21.
Meu professor de português nos manda ler livros do Machado de Assis de vez em quando. Para o resto da turma, parece que o mundo vai acabar. Chega a ser engraçado. Mas eu até que gosto. Não que eu ache divertidas, mas eu acho as descrições incríveis. Nunca que eu saberia ser descritiva daquele jeito. É perfeito.
engraçado é que ao ler a chamada mural, imaginei que seria uma resenha estritamente sobre o livro recordações da casa dos mortos. mas aí o cara começa a falar sobre medo de literatura e bla bla bla. sinceramente eu esperava uma resenha sobre o livro, e não sobre o comportamento diante de obras literárias. resumindo, detestei.
Muito legal saber que tem fã de HP como eu que tá lendo outros livros! (sem nunca, claro, tirar os livros da JK do lugar privilegiado e único que lhes pertence!) Dostoiévski merece ser lido, e, se o pessoal sentir dificuldades para encará-lo sozinhos, fica a dica de formar um grupo de leitura para trocar ideias capítulo a capitulo.
é sempre bom trocar ideias ..adoro formar grupo de leitura, discutir cinema , ópera . adorei a dica . Leiam tambem” Uma Criatura Dócil” :o
nao sei , livros antigos tem um lado bom e um ruim enato fico no meio