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[Entrevista] O medo e a fantasia na obra de Neil Gaiman.

Recentemente a Editora Intrínseca divulgou em seu blog oficial uma entrevista com o  professor de produção editorial da Escola de Comunicação da UFRJ Mário Feijó, estudioso da obra de Neil Gaiman, para falar sobre a literatura fantástica do autor inglês e os temas abordados em seu novo romance, O oceano no fim do caminho.

Antes de conferir a entrevista na integra, por que não conferir a sinopse de O Oceano no Fim do Caminho ?

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O_Oceano_no_Fim_do_Caminho

O Oceano no Fim do Caminho
Neil Gaiman

Foi há quarenta anos, agora ele lembra muito bem. Quando os tempos ficaram difíceis e os pais decidiram que o quarto do alto da escada, que antes era dele, passaria a receber hóspedes. Ele só tinha sete anos. Um dos inquilinos foi o minerador de opala. O homem que certa noite roubou o carro da família e, ali dentro, parado num caminho deserto, cometeu suicídio. O homem cujo ato desesperado despertou forças que jamais deveriam ter sido perturbadas. Forças que não são deste mundo. Um horror primordial, sem controle, que foi libertado e passou a tomar os sonhos e a realidade das pessoas, inclusive os do menino.

Ele sabia que os adultos não conseguiriam — e não deveriam — compreender os eventos que se desdobravam tão perto de casa. Sua família, ingenuamente envolvida e usada na batalha, estava em perigo, e somente o menino era capaz de perceber isso. A responsabilidade inescapável de defender seus entes queridos fez com que ele recorresse à única salvação possível: as três mulheres que moravam no fim do caminho. O lugar onde ele viu seu primeiro oceano.

Informações adicionais
Edição: 1
Editora: Intrínseca
Ano: 2013
Páginas: 208
Tradutor: Renata Pettengill

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Mario Feijó
O medo e a fantasia na obra de Neil Gaiman
Editora Intrínseca

P: Como surgiu o seu interesse pelas obras de Neil Gaiman? O que acha de mais fascinante e marcante no estilo literário do autor?

R: Em 1988, a série Sandman foi lançada no Brasil pela editora Globo. Eu não me interessara pelos primeiros exemplares, mas os amigos nerds estavam dizendo que era ótima, então comprei um para experimentar… Resultado: lá fui eu para o depósito da Globo na rua Teodoro da Silva comprar todos os exemplares anteriores, já recolhidos das bancas. Acabei tendo o privilégio de ler o arco quase completo de uma vez só, podendo apreciar melhor o sofisticado estilo narrativo de Gaiman, perfeitamente equilibrado em estímulos emocionais e reflexões intelectuais. Primeiro ele te dá medo, depois te faz pensar, por fim te emociona com coisas simples.

P: Sabemos que você está montando uma nova disciplina para a UFRJ, complementar ao curso de Produção Editorial, que vai se chamar “Neil Gaiman: do terror ao infantil”. De onde partiu essa iniciativa? Que temas pretende abordar durante o curso? Já tem previsão de quando a matéria começará a ser lecionada?

R: Quando comecei a escrever meus livros, a influência do Gaiman já estava lá. Mesmo histórias imaginadas antes de Sandman foram reestruturadas. Dois livros, O imortal e Revanche, carregam esta influência. Minhas pesquisas sobre mitologias e narrativas orais como base da literatura também me obrigavam a voltar regularmente a Gaiman, um mestre da atualização do discurso, do recontar o que já é conhecido com novos elementos e novos significados. Como professor, sempre quis levar certos autores para a sala de aula, principalmente Gaiman. Lendo e relendo sua obra, vejo como ele sintetiza diversas tradições. Por exemplo, transformar as narrativas assustadoras em lições de sabedoria. Isto é a origem da chamada literatura infantil. Ela veio das mitologias e dos folclores; contos de terror que viraram contos de fadas. Usando Gaiman, posso falar sobre tradição oral, literatura, quadrinhos, cinema e adaptações. O que é a minha praia. Graças a alguns alunos brilhantes, pude começar a formatar a nova disciplina. Minha intenção é que ela fique durantes muitos anos na grade das complementares da Escola de Comunicação. Se tudo correr bem, começa agora em setembro.

P: Em O oceano no fim do caminho, assim como em outras obras, Neil Gaiman transita com excelência entre o público adulto e o infantil. Como você explicaria essa popularidade do autor e a proximidade com um público tão amplo?

R: Gaiman dá esperança aos seus leitores. Ele começa metendo medo, mas depois vai desconstruindo o medo que ele mesmo criou e dando esperança. A fórmula Gaiman é que a esperança vence o medo. Sandman disse isso para um demônio no inferno e tinha toda razão. Veja a personagem Morte. Quem antes tinha representado a Morte como uma garota legal, uma amiga que te espera o tempo que for preciso? Ter começado pelos quadrinhos deu a Gaiman uma base de leitores que ele carregou para outras mídias. Foram seus leitores originais que compraram os livros para si e para os filhos. Que levaram as crianças ao cinema para assistir Coraline. O resultado é que hoje a produção de Gaiman atende a diferentes faixas etárias. Mas o autor nunca esquece que dentro de cada adulto há uma criança e um adolescente tentando se ajustar a um corpo envelhecido; e que este adulto tende a valorizar cada vez mais as vivências infantis e juvenis.

P: Você disse em outra entrevista que os contos folclóricos antigos para crianças eram de terror. Mas elas costumam ficar apavoradas como esse tipo de história… Qual seria a importância de histórias assustadoras para a formação de uma pessoa?

R: Medo faz parte da vida. Quem não tem medo MORRE. O medo é um mecanismo de sobrevivência. Mas também pode passar do ponto e se tornar um obstáculo para a felicidade. Ter medo das coisas certas, na época certa, permite escolher os melhores caminhos para si mesmo. Claro que algumas pessoas herdam medos da família, ou absorvem por osmose dos colegas. Estes são os apavorados que precisam reencontrar a esperança e a fé na felicidade. Mas crianças pequenas dependem dos elementos mágicos para lidar com a realidade e os próprios sentimentos. Falar sobre abandono em João e Maria, ou em Coraline, é falar sobre medos básicos que qualquer criança tem. O oceano no fim do caminho é sobre memórias antigas, sobre percepções do que acontece dentro da própria casa, e também sobre enfrentar e vencer o medo. Recuperar a confiança.

P: Essa mistura de fantasia e terror de O oceano no fim do caminho de fato nos convida a repensar a escuridão das memórias de nossa infância. Ao longo da leitura, você relembrou pesadelos dessa época da sua vida? Alguma história para nos contar?

R: Todos têm histórias guardadas na memória. São como quebra-cabeças quase impossíveis de montar. Há informações perdidas, pessoas fundamentais que se foram. E ainda assim você sente que sua vida foi condicionada por eventos antigos. Somos adultos a partir do momento em que tomamos decisões, certas ou erradas, e comandamos nossas vidas por meio de nossas escolhas. Crianças, porém, não estão no comando. Pais, tios, avós, vizinhos, arranjam lá seus conflitos e as crianças vão a reboque. Eu nunca tentei esquecer quem eu era quando criança, muito pelo contrário. Minha identidade primordial é ser o menino de Bonsucesso em busca de livros guardados em bibliotecas da zona sul. E meu medo primordial sempre foi a solidão de não ter com quem conversar sobre cinema, literatura e quadrinhos. Sobre o simbolismo de histórias e personagens.
(Não vou falar sobre o suicídio do meu avô paterno e suas implicações, história muito longa, muito chata e que ninguém quer ler. Além do mais, os adultos ficam horrorizados com as coisas que as crianças sabem e não deveriam saber, não é?)

Disponível em: <http://www.intrinseca.com.br/site/2013/07/o-medo-e-a-fantasia-na-obra-de-neil-gaiman/Acessado em: 21, de julho, de 2013.

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