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[Resenha] Trocadilhos paradoxais

[Resenha] Trocadilhos paradoxais

Nota do resenhista:  A vida não é algo que possa ser explicada, só pode ser vivida. As emoções não possuem justificativas, elas estão lá e você as sente. Mas e quando alguém usa a filosofia para criar uma ficção que serve única e exclusivamente para argumentar (com precisão) tudo que você sempre soube que não podia ser argumentado? O que você pode dizer que sabe então?

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tempo   Tempo: Para ler de um tiro só no final de semana.;

finalidade   Finalidade: elevar a alma enquanto a lágrima escorre;

restricao   Restrição: Pessoas superficiais e quem não gosta de poesia e/ou filosofia;

principioativo   Princípios ativos:  Peso, Leveza, Ser (alguém), O Ser, Insustentabilidade


A insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera

Olá pessoas! Hoje eu decidi compartilhar com vocês uma descoberta. Tive muito receio em pegar esse livro. Ele era do meu pai (que nunca lê) e me olha d estante dele desde que eu era bem pequeno. As folhas estão amareladas e cheias de manchas e a capa não se pode chamar de atraente. Mas o título sempre mexeu comigo, então em uma visita a casa dos meus pais peguei o livro com ele decidido a desvendá-lo. Passou seis meses na minha estante e três dias, aberto sob meus olhos maravilhados.

Quebrando o suspense, me refiro ao terceiro livro do autor Tcheco Milan Kundera (Não! Não é trilogia! É só o terceiro livro que ele escreveu) publicado em 1983: A insustentável Leveza do Ser. Uma obra de arte de 305 páginas bem distribuídas entre a página 9 e a 314, em sua 42º edição brasileira pela editora Nova fronteira. Sinceramente, não sei se pode ser categorizada como “Romance”
De maneira grosseira eu poderia dizer que ele conta a história de Tomas e Tereza ao longo de sua trajetória de vida com alguns personagens coadjuvantes dando profundidade à trama. Mas não é isso que Kundera faz!

Ele não fala de Tomas, de Tereza, De Sabina, De Franz ou de Karenin – Esses são apenas personagens que ele coloca em seu livro – Ele fala de nossas vidas. Ele explicita nossas vidas como seres humanos, nossas emoções nossas atitudes e respectivas motivações com uma filosofia que é rebuscada mas bem conduzida. Ele fala de Teologia, culpa profissional, frustração de vida, culpa, satisfação, amor e sexo de maneira que é impossível não se sentir diante de um espelho. Ele chega ao absurdo de citar o motivo da criação de seus personagens comparando com suas próprias atitudes enquanto autor sem sair do contexto da narrativa.
É antes de tudo um livro de filosofia que utiliza personagens interligados em uma pátria submissa para descrever uma variedade surpreendente de complexos humanos cotidianos e seus motivos mais profundos, citando Freud, Bethoven, Platão, Nistche e outros. Discorrendo paradoxos para mostrar como mesmo as emoções são relativas “Mas na verdade, será atroz o peso ou a Leveza? O mais pesado fardo nos esmaga, nos faz dobrar sob ele, nos esmaga contra o chão. Na poesia amorosa de todos os séculos, porém, a mulher deseja receber o peso do corpo masculino. O Fardo mais pesado é, portanto, ao mesmo tempo a imagem da mais intensa realização vital. Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais ela é real e verdadeira. Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve que o ar, com que ele voe, se distancie da terra, o ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres quanto insignificantes. Então o que escolher? O peso ou a leveza?”

A narrativa não é linear mas é altamente causal. Kundera conta um trecho considerável de vida de um personagem descrevendo seus pensamento, suas emoções, suas motivações e reflexões diante de atitudes tomadas. Então de um capítulo para outro ele retorna um trecho no tempo e descreve outro personagem por algum período de tempo. Quando ocorrem momentos comuns aos dois personagens e fica claro que a mesma situação é vista de maneiras diferentes de acordo com amotivação e a bagagem de vida de cada indivíduo o que sobressai não são os personagens ou o evento compartilhado, mas a dicotomia de emoções. O paradoxo que só a interpretação feita pelas emoções humanas pode causar.

A divisão entre polos emocionais. A relação entre satisfação e frustração. A interferência da culpa e da expectativa. Tanto a satisfação pode ser tão leve a ponto de não ser sustentável dentro do Ser, como o vazio de sentir-se leve pode ser um fardo tão pesado a ponto se tornar insustentável para o Ser. Um trocadilho paradoxal de significado profundo e interpretações filosóficas sem fim.
“O Drama de uma vida pode sempre ser explicado pela metáfora do peso. Dizemos que temos um fardo sobre os ombros. Carregamos este fardo, que suportamos ou não. Lutamos com ele, perdemos ou ganhamos. O que precisamente aconteceu com Sabina? Nada. Deixara um homem porque quis deixa-lo. Ele a perseguira depois disso? Quis vingar-se? Não. Seu drama não era de peso, mas de leveza.. O que se abatera sobre ela não era um fardo, mas a insustentável leveza do ser.”

Por não ser linear e citar diversas situações pretéritas ao inicio da história para justificar essa ou aquela motivação de cada personagem. Dizer o que acontece com um ou outro não é spoiler. Qualquer personagem morto no tempo deste personagem pode retornar no próximo capítulo muitos anos antes e servir de base para muitos capítulos mais. Isso é impressionante pois ao mesmo tempo que você sabe o final de cada personagem você não sabe o que vai acontecer com ele em seguida pois o foco do autor não são os eventos que constituem o romance, mas os eventos vivenciados por cada personagem em determinado contexto de sua própria vida.
É surpreendente chegar ao fim do livro, tentando manter as lágrimas presas dentro dos olhos e perceber que o “final do livro” foi contado lá pelo meio, mas que isso não faz a menor diferença pra lágrima que decide se precipitar ao chão.

Como disse, é uma obra de arte! Entremeada de metáforas, figuras de linguagem, figuras literárias, citações, e reflexões filosóficas das mais complexas e inesperadas. Exatamente por isso eu não sei como recomendar esse livro.

Não é uma leitura fácil e dependendo do momento que o leitor esteja vivendo em sua vida pode ser insustentável continuar a leitura. Muitos podem achá-lo enfadonho se não forem capazes de compreender as figuras utilizadas. Ou pernóstico se as acharem excessivas ou rebuscadas sem necessidade.

Mas é um livro lindo. Transformador para todos que decidirem se aventurar nele pois a filosofia narrada tem tantas interpretações que sempre será possível compreender alguma coisa que toque você por dentro.

Então meu querido leitor, eu não vou recomendar esse livro pra esse ou aquele público, vou apenas lhe dizer que eu amei e chorei. Achei lindo e construtivo. E vou deixar que você decida o que fazer com essa informação. Boa Leitura!

Resenhado por Leandro Borges, estudante de engenharia eletrônica e leitor compulsivo desde sempre.

314 páginas, Editora Nova Fronteira, publicado em ano 1985.
*Título Original: Nesnesitelnálehkostbytí (Tcheco)

 

 

 

Sobre o autor

1 comentário

  1. Silvio

    Leandro guardo esse livro comigo desde ano 80. De fato é maravilhoso. Já li mais de duas vezes.

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